Conhecida como “a origem do Desenho”, a história de Cora (filha do oleiro Butades) é-nos contada por Plínio, no seu texto “História Natural”. Cora contorna na parede a sombra do rosto do seu amante adormecido, antes da sua partida para o estrangeiro. Esta apropriação furtiva que Cora faz da sombra do seu amante sugere-nos a urgência de um registo que tem como intuito o prolongamento de uma presença. Sendo já a sombra um simulacro do Real, Cora não vê o seu amante enquanto o desenha; contudo, representando-o, convoca a sua presença. Num tempo em que, hipnotizados pelas torrentes imagéticas das cidades, deixamos de ver, o mito de Plínio ganha um significado renovado.
O Desenho surge assim como linguagem transversal – retentora e transformadora. Passando por um processo de reconstrução do mito e da imagem, as suas preocupações conceptuais desdobram-se em questões de género e identidade, reconfigurando-se em complexos discursos visuais de uma grande simbologia. O resultado deste processo são imagens metamorfas que possibilitam uma leitura individual, subversivas na sua relação com as histórias que todos nós conhecemos; as histórias fundadoras de uma identidade colectiva.
Com desenhos concebidos a partir da luz (e não da sombra), o objecto riscador é usado como se fosse uma extensão do corpo - e o acto de desenhar uma coreografia da mão, em que o gesto comporta delicadeza e violência, numa dança ambígua que discorre de forma consciente da natureza (também ambígua) do ser humano.